quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Há cartas que só se escrevem uma vez...


☆Um amigo perguntava-me há uns dias quais eram as minhas motivações para escrever sobre determinado tema. Com grande suspense respondi: - não faço ideia. E acrescentei: - talvez seja fisgada por acontecimentos do quotidiano, inquietações, partilhas que me fazem, experiências que tive, coisas que encontro nas minhas arrumações, frases ditas num qualquer filme ou série de uma matiné de domingo. ‘Deixas’ que fazem o pensamento voar e fluir, um pouco sem amarras, sem lugares certos ou momentos perfeitos.
Numa destas minhas arrumações, encontrei uma ‘carta de despedida’, bem perdida no tempo. Li e reli. Ela fez-me pensar sobre o momento em que a escrevi, as razões pelas quais escrevi (e nunca enviei) e o que ela significou e significa.
Ao longo da nossa vida fazemos várias despedidas... despedimo-nos do que não queremos, do que não nos quer e do que não nos serve mais. Despedimo-nos do que perdemos ou do que nunca foi nosso. Despedimo-nos do que não pode ficar, do que nos foi tirado ou do que teve de ir, pelas inevitabilidades da vida. O bom da despedida é que houve encontro. O pior da despedida é a incerteza da volta (ou a certeza que não volta) e, por isso, vezes sem conta, transformamos o “adeus” num “até logo”, talvez por acreditarmos que a despedida é um encontro que ficou para depois. Não é fácil lidar com as despedidas, mas algumas delas são necessárias. Algumas delas necessitam de cartas de despedida. Estas sim, escrevemos poucas, talvez por sabermos que cartas de despedida só se escrevem uma vez, porque elas representam encerrar ciclos, desapegar-se e deixar ir. Escrevemos poucas, porque tendemos a ficar apegados/as às coisas, às pessoas, aos sentimentos e aos lugares, que não sendo tendencialmente mau, nos pode impedir de seguir.
Escrever cartas de despedida não significa esquecer, significa libertar (-nos) e preencher o vazio da ausência com coisas que somam. Significa afirmar, contar em voz alta a história. Significa aprender que ter de continuar é muito mais do que esperar dias melhores, é aceitar a responsabilidade que temos em deixar que o “nosso mundo” se modifique, se despeça e se transforme.
Talvez os Recomeços precisem de cartas de despedida, para que a despedida não seja o eterno “transbordar em reticências” que não permita recomeçar.
Tenhamos a coragem de escrever as nossas cartas... talvez, passado algum tempo, reconheçamos o bem que nos fez. ★

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Lindo texto! Mas, digo-te já: ai de ti! Quero-te perto.

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  3. Sabes que sou uma chata, por isso... sempre pertinho!!! kkkkkk

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  4. Sim, as cartas de despedida pretendem ser um ponto final que substitua as reticências. Há muito que não escrevo uma carta. Relembro a formalidade das epístolas, que nos levavam a seguir regras. Relembro a poesia das frases, que choravam as separações temporárias. Há um mundo que se foi perdendo, transformado em SMS ou textos curtos. Já poucos gostam de ler textos longos. Adaptamo-nos. Mas as cartas não deixam de ser marcos... marcos de correio.
    Beijo
    João

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  5. Obrigada, João, pelo teu comentário. É bem verdade, escrevemos poucas cartas... tudo foi substituído pela urgência em que se vive hoje.

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