domingo, 13 de agosto de 2017

“Terra à vista”: a Pedra da Gávea no Rio de Janeiro

Pedra da Gávea, Rio de Janeiro
Foto retirada da internet
A Pedra da Gávea é um dos morros que marca a paisagem do Rio de Janeiro. Beija o céu pela sua altura, 844 metros, o que a torna uma das montanhas mais altas do mundo às margens do oceano. E ergue-se firme de entre a Floresta da Tijuca, com a sua vegetação nativa exuberante. Reza a história que o nome da montanha foi dado pelos marinheiros de uma expedição portuguesa, em 1502, que reconheceram, na silhueta da pedra, a forma do cesto da gávea. A gávea era o ponto mais elevado das antigas embarcação à vela onde se construía um cesto de observação – cesto da gávea - onde permanecia o marinheiro vigilante esperando por avistar terra. Na gíria dos barcos quinhentistas (portugueses e castelhanos) o cesto da gávea era também chamada de ‘caralho’. Parece que gritar "Terra à vista" se tornou o grito do ‘caralho’. E quando alguém se portava mal, era mandado para o ‘caralho’. Ainda bem que os marinheiros, na hora de dar o nome à montanha, tiveram o bom senso de não usar a gíria J
Devem estar a pensar... mas não seria mais interessante falar no Corcovado, com o seu Cristo Redentor, que recorta os céus com a sua imagem imponente e memorável, sempre de braços abertos olhando por todos/as! Ou falar no Pão-de-Açucar e do seu ‘bondinho’ que, desde 1912, dá asas a quem o quer visitar, permitindo observar uma das paisagens mais belas do mundo! Ou até falar no Morro Dois Irmãos, que se avista da praia de Ipanema, e que enquadra pores-do-sol inesquecíveis. Sim, talvez fosse mais interessante... mas a verdade é que nem sempre nos apaixonamos pelo mais belo, mas pelo que instiga a nossa curiosidade. Foi o caso. E é sobre sentires que eu escrevo.
Suponho que a Pedra da Gávea tenha tido maior impacto em mim por me ter sido “apresentada” durante a visita que fiz à favela da Rocinha. Naquele momento os sentimentos eram antinómicos. Ao mesmo tempo que a Rocinha era uma janela aberta, com vista privilegiada, sob a Pedra da Gávea, estimulando deslumbramentos, ela obrigava ao confronto com as disparidades e as desigualdades sociais que compõem a favela, a maior favela da América Latina. Os sentimentos continuavam contraditórios, pois foi deste local, aparentemente feito de feiuras, que vi, ouvi e me fascinei pelas histórias, pelos mitos e pelas lendas da Pedra da Gávea.
O entusiasmo das narrativas de César, um morador da Rocinha que nos acolheu em sua casa, transformou o Morro da Gávea num palco repleto de arrebatamentos e confabulações. A Pedra da Gávea olha-nos nos olhos, e fá-lo através da imagem de uma cara esculpida na rocha, cuja origem é muito controversa e debatida. A esta imagem, marcante, juntam-se lendas e contos. Umas sobre as inscrições na rocha, numa linguagem muito antiga, que muito acreditam ter origens sobrenaturais. Outras falam sobre grutas com cavernas longas que atravessam a Pedra da Gávea de “orelha a orelha”, ou até sobre a existência de um “portal”, que dizem ser a entrada para um mundo subterrâneo. Outras estórias, ainda, falam das trilhas, dificílimas, que mais parecem saídas do filme Salteadores da Arca Perdida, e que têm instigado lendas de maldição que são colocada sobre aqueles/as que ousam violar a tumba de um Rei Fenício, que terá passado por terras brasileiras em 856 a.c.

Histórias e mais estórias se constroem sobre a Pedra da Gávea. Não sei se são verdadeiras ou não, talvez isso nem seja o mais importante. O que sei é que a fixei, e senti o pulsar das suas entranhas. E daquela varanda, na favela de Rocinha, como marinheiro na Gávea, tive vontade de gritar “Terra à Vista”.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Trilhos de natureza e pequenas aventuras (3): do Soajo à Senhora da Peneda


Mais um dia, outro trilho. Este levou-me do Soajo à Senhora da Peneda.
A primeira paragem fez-se na vila do Soajo com uma visita aos Espigueiros, uma das maiores atrações turísticas da zona. Chamam-lhe a Eira Comunitária do Soajo, tem 24 espigueiros todos em pedra, que descansam sobre grandes rochas de granito, contemplando a serra. O mais antigo é datado de 1782. À conversa com um morador da vila, ele explicava que os "Canastros", outro nome dado aos Espigueiros, são utilizados para secar o milho, o que  explica a sua localização e desenho. Ou seja, são colocados em sítios mais altos, para que os animais não acedam e comam o milho; a pedra é rasgada para o ar circular entre as espigas; e a cruz ou cruzes que têm no cimo revelam a devoção da população e um pedido especial de proteção divina. Não há como parar e falar com as pessoas locais. O quanto temos a aprender com elas. Em tom de exclamação, acrescentava: "mas há quase 100 Espigueiros em toda a zona, não são apenas estes!!". Defensor acérrimo da sua terra, o senhor, já "homem de quatro filhos, três deles emigrados", retorquia, em tom irritado: "o Parque Nacional devia chamar-se Peneda-Soajo-Gerês". Segundo ele o Soajo foi a primeira freguesia a avalizar a criação do Parque Nacional... então por que razão o nome não consta!!!


De volta à estrada, o caminho levou-nos à Lagoa do Poço Negro.  A 1,5 Km da Vila, e de acesso fácil, este é mais um daqueles miminhos a que o Gerês já nos tem habituado. É uma das lagoas mais profundas (tem cerca de 5 metros profundidade). Talvez por isso, quando olhada de cima, pareça um buraco negro... lugar ideal para criação de estórias, mitos e lendas. Estou certa que haverá algumas!



O caminho do Soajo em direção à Peneda é qualquer coisa. Viramos para Andrão, com paragem obrigatória no Miradouro do Vale da Peneda, para sentir a paisagem. De um lado, toda uma encosta verde rasgada pelo Rio, e do outro a gigantesca Peneda, agreste, beijada pelo Santuário da Nossa Senhora da Peneda.




Descemos até à aldeia de Tibo. O objetivo era conhecer a Lagoa dos Druidas. O nome era sugestivo, mas o trilho estava fora das rotas habituais. Resultado, não encontramos a Lagoa, mas percorremos uma pequena parte do trilho da Mistura das Águas (um dos trilhos pedestres do Gerês), pelo rio da Peneda  em direção ao Encore de Lindoso. Um trilho lindíssimo com as suas rochas escarpadas, de vegetação quase virgem, acompanhado pelo som da água que corre lá ao fundo. Um trilho que conta histórias... a das rotas dos peregrinos para a Senhora da Peneda ou a dos contrabandistas. 

Depois de uma hora a andar, o cansaço fez-nos parar onde a vegetação deu uma brecha. Pequenas quedas de água e pequenas piscinas de água cristalina convidaram a um mergulho refrescante. Um lugar meio esquecido, um lugar meio perdido, onde o descanso teve gosto a vida.

                 






Pusemos pés ao caminho... a chegada ao Santuário da Nossa Senhora da Peneda soube a peregrinação, tal era o cansaço! Alguém escreveu, a Senhora da Peneda "fica na garganta de um monte". Não podia haver expressão melhor para se referir à imagem que temos quando lá chegamos. A sua invulgaridade torna o Santuário "peça única". Começamos a subir as primeiras escadas. Parecem cansadas do tempo... tanto quanto as pernas dos/as peregrinos/as que todos os anos rumam ao Santuário. Ele parece estar ali bem perto de nós... mas não... não fosse ele lugar de peregrinação, um Altar de Fé. Por isso convida-nos a contemplar. Receciona-nos no grande pórtico, onde nos convida a entrar. Conta-nos a vida de Cristo nas suas 20 capelas, estrategicamente dispostas numa alameda arborizada em escadório. Parece que nos está a dizer: a vida é bela, mas ela é exigente e pede força e resistência. E, no fim, sussurra-nos o segredo das virtudes, representadas por estátua no no seu último escadório: Fé, Esperança, Caridade e Glória.
O interior, colorido, pede permanência.





 


Mais um dia, outro trilho.
Outro trilho, novas descobertas...

E ainda está no início!