quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Crónicas de uma viagem à Índia: Ser menina e mulher na Índia.

No Dia Internacional das Meninas, faz todo o sentido escrever este post.
A Índia é um país cujas desigualdades de género são gritantes e a condição da mulher e da menina é de uma fragilidade abissal. Cerca de duas mil raparigas são mortas por dia, devido a uma política inqualificável de controlo da natalidade com base no género do feto (fetocídio e infanticídio). As estatísticas demográficas sugerem a existência de um “generocídio". Este desequilíbrio traz outros e faz aumentar as diferentes formas de violência contra o sexo feminino, como por exemplo, a criação e o crescimento de um mercado de noivas no sul da Ásia, onde meninas e mulheres são traficadas e sexualmente escravizadas. Os crimes contra mulheres, particularmente a violência sexual, têm uma expressão avassaladora, agravados pela legitimação e naturalização dessa violência, não só pelas populações (principalmente as mais rurais, que continuam a ter imensa expressão na Índia), mas também pelas instituições e por líderes políticos e religiosos. Neste sentido, a violência de género é tratada como inevitável e difícil de erradicar, apesar do aumento da contestação e dos movimentos sociais! Se juntarmos a violência de género ao sistema de castas, a situação torna-se ainda mais grave.

Se é verdade que não vivi de perto estas situações, elas estão lá... a cada esquina, muito presentes nos quotidianos, na apropriação dos espaços, nas mensagens, nos olhares, na sinalética, no comportamento.
 Uns dias antes de eu viajar para Índia, a comunicação social divulgava uma mensagem do ministro do turismo que apelava às mulheres estrangeiras ‘coisas básicas’ como não sair à noite ou não usar saias, porque a cultura indiana é diferente da ocidental. Chegada lá, ficamos com a impressão de que existem muitos mais homens do que mulheres nas ruas. O espaço público é masculino, e esta foi uma sensação recorrente e impactante quando circulávamos nas ruas ou quando entravamos nos estabelecimentos comerciais, na restauração ou mesmo na hotelaria. Nas estações de comboios e nas suas imediações, temos a sensação de que existem três ou quatro mulheres por cem homens. Á noite, então, esse número parece reduzir-se ainda mais. As mulheres estão lá, mas é como se fossem invisíveis. Nem as cores fortes dos saris as parece visibilizar. De facto nós vemos não o que olhamos, mas a relação com aquilo que olhamos. Claro que esta situação da mulher não é exclusiva da Índia, mas a sensação de invisibilidade social foi inigualável a outros contextos onde já estive.
Em quase todos os locais que visitamos, havia filas separadas para homens e mulheres. Nos metros, cadeiras “for ladies only” e sinalética com números de telefone de emergência para esquadras exclusivas para mulheres, tal é a expressão das formas de violência contra a mulher. A segurança material que senti em toda a viagem ia sendo interrompida pelos olhares indiscretos e invasivos dos homens e rapazes com os quais nos cruzávamos e que frequentemente nos abordavam (para tirar fotos, para vender, para perguntar de onde vínhamos...). Nunca senti uma forma direta de assédio mal intencionado, mas acredito que a presença masculina no grupo tenha tido aqui um papel primordial. A Índia não é um país violento, mas é muito conservador no que se refere à condição da mulher.

Quase um século depois de Gandhi ter apelado à igualdade para as mulheres e ter pedido aos homens indianos que as tratassem com respeito, a lição ainda tem de ser aprendida!!

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