segunda-feira, 28 de novembro de 2016

As Andorinhas voltam sempre...



Escreveu Mia Couto: “Em alguma vida fui ave. Guardo memória de paisagens espraiadas e de escarpas em voo rasante”
Eu diria, em alguma vida fui andorinha...
Não fosse esse desejo dela de conhecer o mundo e de viver (novas) experiências, com aqueles olhos, mais de quem olha do que de quem vê.
Não quisesse ela que o voo fosse a jornada e, por isso, quando chega, se prepara para o próximo voo. E em cada voo traz a coragem e a esperança renovadas.
Não procurasse ela a sensação de liberdade que a leva a ir. A mesma sensação que a faz regressar sempre a casa. Esteja onde estiver, lembra-se sempre das suas raízes, da sua casa e dos seus. Quem fica, deve admirar-se e orgulhar-se do voo... e terá eternos regressos. Não é possível aprisionar os que têm asas, os que são de ir.
Não sentisse ela que o voo só faz sentido se tiver por perto quem torne a sua jornada mais leve, quem a encoraje no voo e fortaleça nos momentos de desânimo.
Não tivesse ela a coragem para enfrentar, de peito aberto, as (suas) tempestades, sabendo que sempre que parte regressará diferente, e sempre que regressa alguma coisa pode ter partido. Mas é no “vazio que o voo acontece” e é nas escolhas que está a sua força.
Apesar do seu voo parecer destemido, mantém-se perto de terra, não arriscando em voos altos que talvez a fizessem escandalosamente feliz. Mas, na segurança do voo, endireita as asas, impulsiona (n)as subidas, resiste nas quedas e faz voos rasantes de quem confia.
Sim, em alguma vida fui andorinha. Guardo memória de ‘dias vindouros’



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Há cartas que só se escrevem uma vez...


☆Um amigo perguntava-me há uns dias quais eram as minhas motivações para escrever sobre determinado tema. Com grande suspense respondi: - não faço ideia. E acrescentei: - talvez seja fisgada por acontecimentos do quotidiano, inquietações, partilhas que me fazem, experiências que tive, coisas que encontro nas minhas arrumações, frases ditas num qualquer filme ou série de uma matiné de domingo. ‘Deixas’ que fazem o pensamento voar e fluir, um pouco sem amarras, sem lugares certos ou momentos perfeitos.
Numa destas minhas arrumações, encontrei uma ‘carta de despedida’, bem perdida no tempo. Li e reli. Ela fez-me pensar sobre o momento em que a escrevi, as razões pelas quais escrevi (e nunca enviei) e o que ela significou e significa.
Ao longo da nossa vida fazemos várias despedidas... despedimo-nos do que não queremos, do que não nos quer e do que não nos serve mais. Despedimo-nos do que perdemos ou do que nunca foi nosso. Despedimo-nos do que não pode ficar, do que nos foi tirado ou do que teve de ir, pelas inevitabilidades da vida. O bom da despedida é que houve encontro. O pior da despedida é a incerteza da volta (ou a certeza que não volta) e, por isso, vezes sem conta, transformamos o “adeus” num “até logo”, talvez por acreditarmos que a despedida é um encontro que ficou para depois. Não é fácil lidar com as despedidas, mas algumas delas são necessárias. Algumas delas necessitam de cartas de despedida. Estas sim, escrevemos poucas, talvez por sabermos que cartas de despedida só se escrevem uma vez, porque elas representam encerrar ciclos, desapegar-se e deixar ir. Escrevemos poucas, porque tendemos a ficar apegados/as às coisas, às pessoas, aos sentimentos e aos lugares, que não sendo tendencialmente mau, nos pode impedir de seguir.
Escrever cartas de despedida não significa esquecer, significa libertar (-nos) e preencher o vazio da ausência com coisas que somam. Significa afirmar, contar em voz alta a história. Significa aprender que ter de continuar é muito mais do que esperar dias melhores, é aceitar a responsabilidade que temos em deixar que o “nosso mundo” se modifique, se despeça e se transforme.
Talvez os Recomeços precisem de cartas de despedida, para que a despedida não seja o eterno “transbordar em reticências” que não permita recomeçar.
Tenhamos a coragem de escrever as nossas cartas... talvez, passado algum tempo, reconheçamos o bem que nos fez. ★

sábado, 19 de novembro de 2016

“Cães não são nossas vidas inteiras, mas fazem nossas vidas inteiras”





Sempre achei que o meu ritmo de vida não era compatível com animais de estimação, muito menos com cães, pela sua dependência e necessidade de espaço. A isto juntava-se uma total incompreensão com o facto de as pessoas condicionarem as suas vidas por causa deles. Abdicarem das suas férias ou saírem à rua com chuva e frio só para os ir passear. Achava exagerado ver alguém a chorar copiosamente pelo animal doente ou pela sua perda. Entretanto, em 2013, o Bart entra na minha vida... e tudo passa a ser diferente.
Hoje tenho noção que não fui eu que o escolhi, foi ele que me escolheu, quando saiu desenfreado a correr na minha direção, tinha ele 5 meses.
Comigo há três anos, tornou-se o meu companheiro inseparável. No início resisti a esta dádiva de amor. Eu dava pouco, ele dava-me tudo. Hoje, eu dou-lhe tudo e ele consegue dar-me ainda mais. Não esteve sempre na minha vida, mas faz a minha vida inteira, pelo seu amor incondicional e por me ensinar a amar, a priorizar o outro, a cuidar e a demonstrar carinho. Talvez seja por isso que eles vivem menos tempo do que nós, porque não precisam de tanto tempo como nós para aprender a amar, a perdoar e a ser felizes. Como diz no filme Marley and Me é impressionante quanto amor e alegria eles trazem para nossas vidas, e quanto nos aproximamos uns dos outros por causa deles.
É nas partilhas do dia-a-dia que tudo faz sentido e é nelas que consolidamos o elo de confiança. Enquanto eu chego a casa do trabalho sem energia e sem paciência, ele está pronto para correr, pular e brincar, revitalizando o meu dia. Com os seus olhos redondos, escuros, expressivos e cheios de vida é impossível chatear-me com ele e, quando o faço, enche-me de mimos, afinal a minha atenção parece ser mais importante do que o seu orgulho. Partilhámos o sofá, e ele consegue ficar sempre com o melhor sítio... preferencialmente no meu colo. Vai comigo para todo o lado, mesmo sem ser convidado. Não tenho roupa que não tenha pelos (e isso não me chateia nada). Passeamos muito, vamos à praia, corremos q.b, e temos imensas conversas, às quais ele responde com um roncar intervalado por grunhidos como se estivesse engasgado :-) É um elemento da família e ponto. E sobre isso não há discussão.
Se “humanizar” os nossos animais não é bom, porque passamos por cima das suas necessidades, eles têm o poder imenso de nos humanizar, porque nos tornam pessoas melhores... e só por isso vale a pena!!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Era uma vez...



Há uns meses decidi fazer umas arrumações. 
Abrem-se caixas, mergulha-se no passado, reavivam-se memórias. Encontrei dezenas de desenhos de moda que eu fiz nos anos de '93 e '94, tinha eu 16 anos. O gosto pela moda era um sonho de criança. Desde pequena que idealizava e vestia as minhas bonecas com os retalhos de tecido que a costureira vizinha me oferecia e a cartolina e os lápis de cor que serviam para fazer os chapéus, as carteiras e até os sapatos. A Barbie era a modelo, por excelência. A personificação da beleza, um ícone da moda. Com ela vivia-se no mundo do fairy tail fashion. Com a enorme gama de acessórios de estilo de vida, a Barbie existia (e existe) para consumir. Um consumo que as dificuldades económicas dos meus pais não suportavam, e que aguçaram a minha criatividade. Ao não poder ter os conjuntos de roupa e acessórios, comecei a idealizar e a fazer. Numa época em que as crianças tinham tempo para brincar, eram tardes e tardes em sonhos de haute couture. Peças feitas sob medidas, com padrões combinados na perfeição, e com os traços da irreverência que me caracterizava na altura. Altura essa em que não questionava, como faço agora, o impacto da "Barbie" nos padrões de beleza ou na normatização de estereótipos de género.
A adolescência afastou as bonecas, mas não o gosto pela moda, que passou a exprimir-se no papel, pelo desenho. Figurinos estilizados, que exprimiam os valores estéticos e os padrões de gosto de uma época. Nesses desenhos realizava-se o sonho de criança.
Hoje, ao olhar para esses desenhos descobertos numa caixa perdida no tempo, as questões impunham-se: Por que deixei de desenhar e de criar? (bem, talvez por não ter jeito, é uma hipótese!!) Onde ficou aquela minha irreverência criativa que a idade pareceu normatizar? Não me tornei estilista, nem segui os caminhos da moda, mas reencontrei essa irreverência na Sociologia, área na qual me formei; e redescobri a criatividade na dança. Da moda ficou apenas o gosto e a curiosidade, que foi aguçada, o ano passado, pela lecionação de uma disciplina de Sociologia do Consumo e da Moda num Curso de Design de Moda. Admito que sair da caixa foi uma experiência bem empolgante!!
Não, este não é um artigo sobre moda. É um artigo sobre sonhos e conquistas, que se foram ajustando ao crescimento, à maturidade e às perdas no caminho. Não sei se o final deste “Era uma vez...” termina “E foi feliz para sempre”. Mais importante do que o fim é o processo, os/as personagens, o enredo, os argumentos e os diálogos, que dão vida à história, e nos mostram que o final somos nós que o escrevemos, em sucessivas redescobertas e recriações.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

O que nos torna humanos? ‘Human’, um relato multi cultural e étnico sobre amor, morte e felicidade


Depois de ter assistido ontem a um dos episódios do documentário "Human" fico a pensar no tão pouco que sabemos sobre os sentidos da Humanidade.

❝ É preciso tomar cuidado com os rótulos

e as aparências, pois há muitas mulheres
mais valentes que homens, 
homens mais sensíveis que crianças,
crianças mais sofridas que idosos,
idosos mais rápidos que jovens
e jovens mais sábios que idosos.
Há graduados que dão aula de ignorância
e analfabetos ensinando a vida.
E assim segue a estrada...
ler o rótulo de um vinho
nunca será igual a sentir seu gosto.❞

(autor desconhecido)

sábado, 12 de novembro de 2016

Sobre zonas de conforto e re-começos

Gosto de “zonas de conforto”, gosto da sensação de segurança e estabilidade que me dão. Tudo está lá, sempre, todos os dias. É nessas zonas que recarregamos as nossas energias.  A sensação é tão boa que nos estacionamos por lá e resistimos a perceber que só quando saímos da “zona de conforto” é que podemos atravessar novos horizontes, viver outras experiências, perceber outras cores da nossa vida e re-começar. Mas não, ampliamos a “zona de conforto” e a sua sensação, e encontramos razões muito boas para nela permanecer: “É arriscado demais...”, “Não vou ser capaz.”, “Estou tão bem assim...”, “Isto não é para mim...”, “não é momento certo”. E procrastinamos, engavetando-nos no medo de tentar, de fracassar (mais uma vez) ou de nos arrependermos. Re-começar é difícil porque nos obriga a saber o que queremos, o que não queremos e a definir o que nos faz felizes... mas para isso temos de ir para onde a magia acontece, e não é na nossa “zona de conforto”. 
Re-constroi-te e re-começa, sem pressas... e o que vier para ficar, que seja para acrescentar.



Sísifo, de Miguel Torga, 
 Diário XIII

domingo, 6 de novembro de 2016

O Tríptico do Jardim das Delícias, de Bosch: do Éden ao Inferno

Before the Flood, mais um documentário impactante sobre os efeitos do aquecimento global. Uma das maiores consequências da modernidade e da industrialização. 
Como acabar com o ciclo vicioso entre as grandes Indústrias/ corporações, a corrupção, os governos e os estilos de vida e de consumo que sustentam esta máquina? Sem dúvida, um grande desafio que parece não ter "vontade política", mesmo com os enquadramentos do Protocolo de Quioto (1997) e, mais recentemente, do Acordo de Paris (2015).
Não podemos fingir que não sabemos como vai acabar, e por isso devemos cultivar o sentimento de urgência, consumindo de forma diferente o que compramos, o que comemos, e a energia que utilizamos; votando em líderes que tenham a consciência ambiental e que lutem para acabar com os subsídios às energias fósseis (gasolina, diesel, carvão, gás natural...) e que invistam mais em energias renováveis (solar, eólica...)... e tanto mais que precisamos de fazer, porque este é um problema de todos/as. Escolher fazer ou não o caminho para o 'inferno' está nas nossas mãos (leia-se da Humanidade).



sábado, 5 de novembro de 2016

“Crie unicórnios, não expectativas”.

Há uns tempos falava com uma amiga sobre se é possível vivermos sem expectativas. Ela dizia que sim, eu não conseguia ver como! Parei um pouco para pensar nisso.
Mestres e praticantes de algumas religiões mostram que é possível viver sem expectativas. O segredo seria viver no presente. Mas como? Quando vivemos num mundo que nos cerca de expectativas e nos dá receitas para ser, para estar e para ter.
Ter expectativas é viver à espera de...
à espera que as coisas sejam como nós queremos, à espera que a vida funcione como desejamos, à espera que os outros nos tratem e reconheçam da forma que acreditamos merecer...  Mais difícil é lidar com as expectativas que criámos sobre nós próprios/as.
Ter expectativas é viver preso ao que não controlamos, e nessa espera investimos tempo e energia. Depositamos confiança, sentimentos e sonhos. Esperamos (de) mais. Quando a expectativa se frustra vem a deceção, a dúvida, a incerteza, a culpa, os porquês, e até a raiva. Mas rapidamente nos organizamos para retomar um novo ciclo de outras expectativas!

Não sei se é possível viver sem expectativas, mas estou certa que viver não vem nem com livro de receitas, nem tem balcão de reclamações. Por isso, porquê tanta exigência? Talvez, se esperarmos menos, a vida venha e nos surpreenda...



quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Dia de fazer memória

No dia 1 de novembro fazemos memória e homenagem aos familiares e amigos/as que já faleceram. Todos os anos levo uma flor ou um ramo bem simples à campa dos meus avós... simples como sempre foram as suas vidas. Na passada lenta com que percorro o cemitério, observo o espaço, ornamentado de cores e de flores suficientes para homenagear todos aqueles que já morreram; sinto os cheiros das orquídeas, dos crisântemos, e da cera das velas; e vejo as pessoas (particularmente mulheres) a limpar as campas, a acender as velas e a rezar. Pessoas de semblante fechado, como se espera de quem visita um cemitério. Famílias que se reúnem, que se reencontram ou que se cruzam sem falar. Sentada na campa dos meus avós, no dia de celebrar a vida e a morte, fico com a sensação que se vive mais a tristeza da perda, do que a alegria de ter havido vida.
Todos/as temos os nossos mortos (reais ou simbólicos), e a grande questão parece estar na forma como nos relacionamos com tal realidade. A todos/os provoca dor, mas quando compreendemos que morrer é uma tarefa que se constrói vivendo, a morte ganha uma outra expressão: afina a nossa conduta, alerta-nos para a impermanência das coisas, resgata a experiência da (nossa) vida e permite-nos conviver com a morte não numa relação de luto constante [que deprime e que impede a vida], mas como forma de celebrar a Vida.

Neste espírito, todos os anos, neste mesmo dia, a família (paterna) se reúne, avivando a memória do meu avô, que vive em cada um de nós, e celebrando a vida da minha avó, elo unificador.

Andar devagar

A experiência de andar devagar pode ser física e emocionalmente desconfortável. Se inicialmente até parece bom, rapidamente começamos a sentir desequilíbrio e um imenso tédio. Temos vontade de ultrapassar quem está à nossa frente e à nossa volta e achamos que estamos a perder tempo. Esta estranheza deve-se ao facto de vivermos numa sociedade que exige pressas. Pressa para ter, para fazer e até para ser. Pressas impostas e/ou construídas. Pressas que são nossas e dos outros. Pressas porque não fizemos ou porque queremos fazer. E na pressa corremos contra o tempo, porque o tempo não espera, dizem!!
Abrandar o passo e andar devagar não é difícil mas é trabalhoso... implica uma mudança profunda na forma como te relacionas contigo e com os outros, para que percebas que andar devagar não é deixar de fazer, não é ficar para trás, é ganhar consciência de que nada é permanente, a não ser a própria impermanência das coisas. E quando isso acontece começas a sentir o passo e percebes que não vale a pena andar sempre a correr contra o tempo... mais cedo ou mais tarde ele apanha-nos e depende de nós escolher a forma como queremos que ele esteja na nossa vida!
( Publicado a 24 de out. 2016)


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