“Tudo em Sintra é divino, não há cantinho que não seja um poema”, Eça de
Queirós, Os Maias.
Todas
as vezes que passei por Sintra, os meus olhos procuravam teimosamente aquele
edifício, de cores bem fortes, lá no alto ladeirento da serra de Sintra. Lá
está, imponente, o Palácio Nacional da Pena... qual pintura rasgando os céus,
conquistando reis e inspirando poetas.
Desta
vez não houve passagem, mas paragem. A visita fez-se com a calma que este lugar
exige. Passo a passo, primeiro pelos jardins, depois pelo empedrado da entrada,
tudo sorri para nós. Chegar ao palácio pode demorar meia hora ou uma hora,
depende do tempo que queremos dedicar a explorar o Parque da Pena, cheio de
percursos, jardins, pontes, grutas, lagos, estufas e estátuas.
A
invulgaridade e o exotismo são as palavras de ordem, e estão refletidas em cada
fachada, porta, passadiço, esquina ou janela do Palácio da Pena. Uma mistura de
estilos que nos deixa perplexos/as. Arcos ogivais, torres medievais, elementos
de inspiração árabe. Inevitavelmente, começamos à procura da história... pois só
alguém com grande sensibilidade, arrebatado pela beleza do local, e com
particular afeição pelas artes conceberia um lugar assim. E a história está lá.
Antigo Convento, construído no século XVI por D. Manuel I, o atual Palácio da
Pena foi restaurado pelo rei-consorte D. Fernando II, no
século XIX. Conhecido pelo temperamento romântico, deixa a sua marcar em todo o
edifício.
Fascinou-me
particularmente o “Pórtico do Tritão”, projetado pelo próprio D. Fernando, como
alegoria à criação do mundo. O arco onde o Tritão descansa, um ser híbrido,
meio-homem, meio-peixe, de semblante assustador, é ladeado de duas torres
decoradas em relevo por uma espécie de imitação de corais. É impossível
ficar-se indiferente a tal pormenor. É impossível. Sentas-te um pouco, num dos
terraços, e voltas a olhar para tudo à tua volta, como se fosse a primeira vez.
O sol bate na fachada. Nunca o amarelo e o vermelho combinaram tão bem. O sol
bate mais um pouco, e os azulejos neo-hispano-árabes, oitocentistas, fazem-nos
viajar para outras terras. Afinal estamos no
Monte da Lua... onde os sonhos são possíveis.
Do Palácio da
Pena rumamos ao Palácio e Parque de Monserrate. Outro deslumbre. Mais
intimista, a visita pelo interior do Palácio faz-nos sonhar com tempos idos. De
influências medievais e orientais é, juntamente com o Palácio da Pena, um dos
exemplos mais importantes da arquitetura romântica em Portugal. Percorremos os
corredores, feitos de arcos de um rendilhado finíssimo e de paredes desenhadas
a relevo. Em cada canto, sinais de uma decoração eclética, bustos, arabescos,
portas em madeira trabalhada e arquiteturas de estilo indo-persa. Na sala da
música, sentamo-nos no chão a olhar para o tecto, feito de minudências.
Fechando os olhos era possível ouvir a música e imaginar o movimento.
Os jardins
circundantes permitem-nos viajar pelos cinco continentes através da botânica, e
refletem o exotismo e o espírito romântico do seu último proprietário, Francis
Cook, um industrial inglês que foi agraciado pelo Rei D. Luís com o título de
Visconde de Monserrate (1859). Os cenários são contrastantes. De caminhos
sinuosos passamos para clareiras e relvados. Da vegetação cerrada esbarramos
com pequenos jardins mágicos. Do jardim dos fetos, que até podia ser dos
afetos, vislumbramos lagos e cascatas. A cada passo um banco. O descanso faz-se
com vistas de suster a respiração. Numa dessas vistas, sentadas no relvado de
um dos jardins circundantes do Palácio, almoçamos a melhor das refeições.
Aquela que é acompanhada de um sentimentos de gratidão.
No final do dia,
com as pernas cansadas de tanto andar, mas com a alma a transbordar, o descanso
fez-se no centro histórico de Sintra, a comer um travesseiro (doce típico) da
Casa Piriquita, e a traçar o roteiro da próximo visita. Sim, o regresso a
Sintra é certo, porque ainda há todo um “pequeno mundo” a desvelar. Pois, como
descreveu José Saramago, no Memorial do Convento, “[Sintra] daria um bom
paraíso no caso de Deus fazer outra tentativa!”
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