terça-feira, 21 de março de 2017

O que é a felicidade para ti? Arriscas-te?

Lia em algum sítio: “a felicidade mora dentro de nós”. Um daqueles clichês que me fez lembrar de uma conversa com um amigo em que falávamos sobre as sinuosidades da felicidade e constatávamos que é grande a tendência em reduzir a felicidade ao Ter... sucesso, trabalho, casa, imagem, dinheiro, amigos, relacionamentos amorosos, filhos/as... Tudo importante, mas igualmente frágil. Como assentar a felicidade apenas no que é externo a nós? Ao fazê-lo vivemos uma espécie de voyeurismo com a felicidade e flirtamos com ela na espera de cumprir o “felizes para sempre”, esquecendo que a felicidade é sentida, não é tida. Queremos uma felicidade a tempo inteiro e por isso transformamo-la numa montra, que pulula por todo o lado, esquecendo que para se ser feliz não é preciso rejeitar a tristeza e os dissabores. A felicidade também (o)corre entre as imperfeições dos dias tumultuados.
Tenho de concordar com o cliché: “a felicidade mora dentro de nós”. Mora em tons mais simples e em formatos menos polidos. Mora na forma como lidamos com o que pensamos e com o que sentimos e como vivemos com o que temos. Na forma como integramos o passado e nos libertamos do futuro. Na forma como tomamos as nossas decisões e lidamos com as suas consequências. Na forma como somos e nos aceitamos. Ser feliz é uma escolha, nem sempre fácil, que chega na medida certa quando vem de dentro, e que (se) transborda quando é transformada em caminho. E se há coisa que dividida pode somar, além do amor, é a felicidade.
Lia em algum sítio: “a felicidade mora dentro de nós”. Um daqueles clichês que eu gosto!


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terça-feira, 7 de março de 2017

“As notícias que nos chegam de África são sempre más”: parte I

O imbondeiro* estava lá, firme, imponente. Fiquei parada a olhar para ele. Reza a lenda que é curandeiro. Enrugado de velho, sussurra... sussurra-nos África, aquela onde o deslumbre e a decadência se tocam, a abundância e a pobreza convivem de forma extremada. Não fosse o imbondeiro, na narrativa de Mia Couto, um “abrigo às personagens fatigadas”. Aproximei-me mais, fiquei em silêncio, e percebi que não mais regressaria a mesma. Luanda já me tinha marcado, ainda não sabia era como.
Quando fazemos voluntariado, em locais distantes como estes, distantes em tudo, testando tudo, os trajetos que fazemos não são turísticos e as ruas por onde circulamos não são para turistas. Mergulhamos nos locais sem boia ou braçadeira e a sensação que temos é que estamos a submergir... debatemo-nos ruidosamente e gastamos todas as nossas forças lutando contra a constatação de uma realidade inaceitável e incomportável. Onde guardar, em nós, o confronto com a miséria extrema. Com os “ninguéns” de Eduardo Galeano, “os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida (...). Que não são, embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata” (Livro dos Abraços).
Depois de nos debatermos ruidosamente, vem o silêncio. O imbondeiro já me tinha sussurrado! E foi nesse silêncio de recetividade (que é diferente de aceitação) que a história se construiu. Umas vezes histórias, outras vezes estórias.
Visitamos e conhecemos vários projetos que estavam a ser desenvolvidos por missões religiosas nos bairros mais pobres de Luanda. Poucos quilómetros significavam horas no trânsito. Andar a pé não era opção, por questões de segurança (não fosse Angola, à data (2007), o 10.º país mais violento e inseguro do mundo). Parecia haver apenas uma estrada, todas iguais, entupidas de carros colados à traseira de outros, motas apressadas e desgovernadas, buzinas ensurdecedoras. Buracos, engarrafamentos, acidentes, atropelamentos. Pó, poeira, uma névoa.
Musseques** que beiram a estrada, mercados de rua a perder de vista, o único lugar onde os/as angolanos/as pobres conseguem comprar alguma coisa. O que esperar quando a cerveja é mais barata do que água? Ruas sem passeios, sujas de lixo que se acumula e esgotos a céu aberto, onde se vende comida e brincam crianças. Correm por todos os lados, descalças ou de chinelos, barulhentas como se querem, chapinham nas poças de água turva que a últimas chuvas encheram. Uma em cada três crianças não passa os três anos de idade, contavam-me.
A cor das capulanas das mulheres decorava as ruas e fixava o meu olhar. Não pela cor mas pela condição. Mulheres carregando os filhos às costas, ao mesmo tempo que suportam o peso da mercadoria que vendem nas ruas. Equilibram sobre a cabeça sacos, cestas e bacias, parecendo desafiar as leis da física. Chamam-lhes zungueiras. Circulam apressadas, não há tempo a perder, são elas as lutadoras e provedoras do lar. Numa inexorável marcha de vida, percorrem a cidade o dia todo. Por isso grande parte dos projetos de desenvolvimento comunitário têm as mulheres como destinatárias, dizia-me a responsável por um desses projetos. Neste mês dedicado à Mulher, tributo esta crónica à mulher zungueira, exemplo de coragem e dignidade, mas também expressão da condição da mulher pobre em África, vítima das mais variadas formas de violência.
Dizem que o imbondeiro é curandeiro, sussurra-nos África... nem sempre a que queremos ouvir, mas a que precisamos de saber.
(To be continued...)

* Imbondeiro ou embondeiro é uma árvore também conhecida como Baobá Africano. Possui um tronco muito espesso na base, pode atingir até nove metros de diâmetro, que se vai estreitando em forma de cone. É considerada uma árvore sagrada. 
**Bairro de construção precária, nos arredores de uma grande cidade, onde habitam os moradores menos favorecidos












Fotografias de: Bernardino Silva



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domingo, 5 de março de 2017

Ser ‘super-herói’, para quê?

O que é ser uma pessoa forte?
Tenho pensado sobre isso...
Sempre admirei pessoas fortes. Daquelas que não perdem tempo a lamentar-se, que vão e fazem sem se esquecer de colocar uma pitada de generosidade no que dão. Daquelas que não precisam da força física para mostrar que são resistentes. Daquelas que mesmo depois da queda se levantam com dignidade, como prova de carácter, e iluminam a vida (dos outros) com um sorriso espontâneo. Daquelas que sabem que sem esforço não há resultados e que foi esse esforço que as tornou mais fortes. Daquelas que não deixam que ninguém decida a sua vida por si e que assumem as consequências das suas escolhas, sendo protagonistas das suas próprias vidas. Daquelas que não choram e não gritam, mesmo quando desfeitas por dentro.
Sempre admirei pessoas fortes, porque achava que elas sofriam menos. Não podia estar mais errada. Sempre quis ser uma pessoa forte e durante muito tempo a imaturidade fez-me confundir força com ausência de sentimento. Não podia estar mais errada. Construímos a força vestindo fatos de ‘super-heróis’ (ou de super-vilões). Vesti-los torna-se uma necessidade, escolhê-los uma questão de sobrevivência. Alter-egos que nos trazem uma sensação de bem estar e de segurança, que ocultam as nossas fraquezas e cansaços, e que reforçam as certezas dos motivos da sua criação. Como deixar de os vestir e encenar? Como abandonar essa sensação tão boa (como altiva) de força, poder e indispensabilidade. Passado um tempo são eles que nos vestem, e nós tornamo-nos, simultaneamente, seu espelho e reflexo. E debatemo-nos, imobilizados pela própria imagem que criamos.
O que é ser uma pessoa forte?
Só sei que não é ser ‘super-herói’.
Tenho pensado nisso...



quinta-feira, 2 de março de 2017

Viajando pelo passado através da leitura

Recentemente comecei a ler o livro “Viagem por África, do Cairo à Cidade do Cabo”, de Paul Theroux. Ao entusiasmo da leitura, juntaram-se as recordações das minhas passagens por África, diria, pelas áfricas que o continente africano encerra. Fecho o livro por uns instantes, encosto a cabeça e atrevo-me a fazer regressos de memória. Solta-se um sorriso.
De turismo a trabalho, passando pelas experiências de voluntariado, África foi chamando por mim. Vivi-a em intensidades diferentes, e foi nessas intensidades, de afetos e antipatias, que construí as minhas histórias com cada um desses países. Tunísia, Marrocos, Cabo Verde, Quénia, Angola e São Tome e Príncipe. Estou certa que hoje escreveria outras histórias, mas como diz Paul Theroux, “nos nossos encontros com o mundo, tudo acontece pela primeira vez”, o que não deixa de ser uma espécie de paraíso!
Ler o livro “Viagem por África” aguçou a vontade de reler os meus diários de viagem. Foi nos países onde fiz voluntariado que o meu coração ficou, marcado para sempre. Já lá vão dez anos. Os olhos passeiam-se pela fotos e pelas palavras escritas em lugares que agora deixaram de estar distantes, apesar do tempo teimar em apagar as memórias dos sentidos. Nairobi, Luanda, São Tomé... e assim adentrei África.
--> “As notícias que nos chegam de África são sempre más”, começa Paul Theroux o seu livro. Foi com esta história única de África que eu fui, e foi com uma lição de vida que regressei. Será sobre ela que falarei nas próximas crónicas.