sábado, 4 de fevereiro de 2017

A ‘capulana’ que um dia vesti(rei): ensaio sobre raízes

✫Adoro ver as mulheres usando as suas capulanas*, de padrões variados e cores vivas. Elas (as capulanas) falam, numa linguagem simbólica e silenciosa, a história de um povo, além das inúmeras histórias que têm para contar. Nelas reconheço as minhas raízes africanas, que carrego no corpo e na alma com orgulho. A partir delas explico esta minha ligação com África, numa espécie de enamoramento, que me compele a fazer regressos infinitos. Regressos que costuro nas viagens que fiz, na literatura que leio, na música que oiço, ou nos objetos de decoração que alindam a minha casa. Regressos presentes nas subtilezas das cores (do pôr-do-sol) que me definem, no fascínio pelo cheiro da terra seca quando caem as primeiras chuvas, ou pelo consolo do pé descalço que sente o chão. Sou do calor, do mar e do sol. Regressos simbólicos, pela ‘capulana’ da minha mãe e da minha avó que dão vida às histórias de infância e recriam um passado que não se querendo presente vai recortando o futuro. Regressos pela dança, sempre, como uma espécie de poema que habita a alma e que nos (re)conecta à nossa essência.
Perceber as nossas raízes é mergulhar em nós e conhecer esses eus de que somos feitos. É remendar e recolorir a ‘capulana’ que um dia vesti(rei), cheia de histórias, (im)permanências e pertenças. É aceitar que não há asas sem raízes. "Abensonhado" conhecimento que te “faz parir de ti próprio” ✭

* As capulanas são tecidos de algodão, estampados com padrões e cores vivas, usadas principalmente pela mulher africana. São originárias de Moçambique.



Fotografias de Bernardino Silva


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