"...quando conto a minha história me misturo, mulato não de raças, mas de existências.” (Mia Couto, Vozes Anoitecidas)
quarta-feira, 28 de junho de 2017
Um virar da esquina pouco provável: a Igreja de São Domingos em Lisboa
O que escrever sobre Lisboa que ainda não tenha sido
dito? Provavelmente nada! Visitamos, revisitamos e reinventamos a cidade todas
as vezes que olhamos para ela! Ela é sempre diferente aos olhos do/a visitante
mais atento. O que a torna fascinante. E é nesse momento, em que olhamos para a
cidade com olhos de quem procura, que encontramos “pequenos” pormenores que a
cidade esconde, como é o caso da Igreja de São Domingos. Quem a conhece? Provavelmente
poucas pessoas, apesar de ficar mesmo ao lado do Rossio e do bar da “Ginginha”.
Um acaso, chamado curiosidade, fez-me entrar, há
poucos anos, na Igreja de São Domingos. Entrei na certeza que iria encontrar
uma igreja como as outras, sumptuosa na talha
dourada e acompanhada por imagens e pinturas valiosas. Mas não.
Lembro-me de ter tido um choque visual, seguido de uma grande comoção. A sensação
foi a de estar a entrar numa espécie de cenário de guerra, isto porque a igreja
conserva, no seu interior, as marcas de um violento
incêndio que sofreu em 1959 e que fez com que a igreja estivesse
fechada até 1994. A pedra queimada parece chorar silenciosamente... não sei se
os pecados dos/as crentes ou os da própria Igreja.
Reza a história que foi na Igreja
de São Domingos que começou o massacre dos judeus na cidade, em 1506. Durante
três dias, homens, mulheres e crianças foram torturados/as e queimados/as em
fogueiras, bem junto à Igreja. Talvez por isso, hoje, bem perto da praça da
Igreja, possamos ler, num muro: "Lisboa, Cidade da Tolerância". Talvez
por isso, quase como por ironia do destino, este seja um lugar feito de
diversidades multiculturais. Um lugar de passagem onde, talvez, alguém repare
nas palavras.
quarta-feira, 21 de junho de 2017
Os 'algarves' da minha vida
Desde pequena, o Algarve sempre foi o destino de férias da família. Lembro-me com saudades das viagens... viagens longas, como era a distância! Primeiro de comboio, depois de carro. Viagens inesquecíveis, onde só a criatividade de se ser criança conseguia sobrepor-se a viagens de carro sem ar condicionado pelas nacionais povoadas de um qualquer Agosto. Todos os anos rumávamos de norte a sul, como milhares de outros/as portugueses/as. Era a garantia certa de umas boas férias de praia. Conheci o Algarve de lés-a-lés, mas era na confusão e na animação de Portimão, Albufeira, Vila Moura ou Armação de Pêra que gostávamos de estar. Os dias e as noites fundiam-se com a água salgada do mar, o calor do sol, as festas, os sunsets, os drinks e os ice-creams. Sim, já na altura precisávamos de falar inglês para nos safarmos ☺ Depois crescemos... (pensamos nós!!) e começamos a querer passar férias com os nossos amigos e amigas. Nesse momento deixei de ir para o Algarve com os meus pais... não porque não gostasse, mas porque crescemos (pensamos nós!!). Juntou-se a isto a sensação de que o Algarve já não era para os “seus” mas para os “outros”. E rapidamente tornei-me “outra” noutras terras.
Depois crescemos mais um pouco, e sentimos a necessidade de fazer regressos. E passados alguns anos volto ao Algarve e reapaixono-me. Já não pelo movimento e pela confusão, mas pela paz e pela tranquilidade de lugares como a Fuseta (vila inserida no coração do Parque Natural da Ria Formosa) e as suas praias, planas, de água quente e areia branca e limpa - como as praias da Ilha da Fuseta, da Barra Nova ou da Barra Velha. A travessia faz-se de barco (aqua-taxi), a partir do cais, perto do porto de pesca, feito de gentes simples. Dez minutos e chegamos a uma espécie de paraíso.
A brisa bate-nos no rosto, a areia é tão branca que o sol faz reflexo. O mar, calmo e quente, chama por nós. Não há como lhe negar uma estadia prolongada. Fechas os olhos e sentes que podes viajar para onde quiseres... mas quando os abres, percebes que não queres ir para lado algum, apenas aproveitar aquela lugar, de uma boniteza sem fim. Na realidade, muitas destas praias, pelo seu acesso mais difícil, eram um segredo bem guardado. Daqueles para onde o “Algarve” ia descansar do turismo! Hoje mais massificadas e conhecidas, não deixam, contudo, de ser das mais protegidas do litoral algarvio. Aliás deviam ter uma placa a dizer: “De uso moderado” ou “Frágil”.
O peixe é delicioso, e o marisco de chorar por mais.
A experiência de ir apanhar amêijoa, berbigão e ostras foi fantástica. Aprender um pouco da arte... que trabalho duro! Mas a diversão foi garantida e o jantar... divinal. No fim, um gelado na melhor gelataria de Olhão (Gelados Gelvi), daqueles que nos faz regressar à infância. E tudo (se) encaixou, perfeitamente!
Há regressos que têm sabor a vida.
domingo, 18 de junho de 2017
Ilhas Cíes: as “ilhas dos deuses”
Reza a lenda que Deus escolheu as
ilhas Cíes para descansar, depois de criar o mundo. Outras rumorejam estórias de
piratas e invasões. Qualquer uma das narrativas nos leva a viajar por tempos
remotos e antecipa o misto de beleza e aventura que as ilhas nos reservam.
As ilhas Ciés formam um
arquipélago de três ilhas que constituem o Parque Nacional das Ilhas Atlânticas
da Galiza (Vigo, Espanha). Representando a natureza no seu esplendor, as ilhas
são também um paraíso de praias de areia branca e fina, e de água cristalina. Não
é exagero! A praia de Rodas, a mais conhecida, foi classificada pelo jornal The Guardian, em 2007, como uma das mais
belas praias do mundo. Mas há outras, igualmente belas. A temperatura que se
faz sentir nas ilhas é de “escaldão”, contrabalançando com as águas gélidas do
mar! Mas é muito difícil resistir à tentação de um mergulho!
Fui às Ilhas Cíes, pela primeira
vez, há dezoito anos. Estava a passar férias em Baiona e alguém de lá nos disse
que seria uma viagem imperdível. Na altura só queríamos praia, e foi isso que
fizemos. Mas não me esqueço do deslumbre de lá chegar e de sonhar um regresso,
que seria certo. Demorou, é verdade, mas regressei às ilhas o ano passado, no
âmbito de uma Expedição organizada pela Borealis (http://www.borealis.pt/).
O deslumbre foi igual, mas percebe-se que por muito que se tente as ilhas não
conseguem ficar imunes ao turismo que se faz sentir.
O dia foi fantástico, entre trekking, descansos demorados e banhos
de sol. A travessia fez-se de ferry,
a partir do porto de Vigo. Chegados/as à ilha, percorremos
os vários trilhos que estão mais ou menos desenhados - Faro da Porta, Alto do
Príncipe, Faro do Peito e a caminhada até ao Farol de Cíes. Cada um, há sua
maneira, permite-nos momentos de cortar a respiração. O percurso fez-se a pé,
adentrando a natureza. O som da água está sempre presente. A cada esquina, um
miradouro, uma reentrância, um nicho de beleza. Aquele mar... ai aquele mar que
mais parece uma piscina de azuis e verdes infinitos... ora azul turquesa, ora
verde esmeralda. Não pernoitamos, mas o único alojamento disponível nas Ilhas é
o parque de campismo.
Mais uma vez as aves dominam e, de forma
irremediável, mostram aos visitantes que eles/as são apenas isso: visitantes.
Fiz este mesmo comentário na minha última crónica sobre as Berlengas. Elas são
as donas das ilhas. Fazem voos rasantes de quem tem o poder de contemplar,
todos os dias, aquela obra-prima.
Se nunca foste às ilhas Cíes, não deixes de
ir. Podes ir sozinho/a ou em grupo, com a família ou com amigos/as. As praias
são lindas, mas não vás apenas pela praia! Os segredos de natureza que estas
ilhas escondem são para ser descobertos. Algo que se chama “ilha dos deuses” só
pode ser um paraíso!
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domingo, 11 de junho de 2017
Aqui ao virar da esquina: um paraíso chamado Berlengas
Eu e viagens de barco não temos uma relação
muito simpática, razão que me fez ir adiando fazer a travessia para as
Berlengas. No verão passado decidi ir com umas amigas.
A viagem de barco correu bem? Não. O Cabo
Carvoeiro de repente transformou-se no Cabo das Tormentas J No mar agitado o barco balançava com toda
a força (poupo-vos pormenores!).
Valeu a pena? Sem dúvida. As Berlengas são
tudo aquilo que descrevem, e muito mais. Uma Reserva Natural no seu estado mais
selvagem. É tão especial nas suas
características naturais que se permite a ter espécies (de fauna e de
flora) que não existem em mais nenhum outro lugar, o que lhe valeu, em
2011, o título de Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO. Por isso, de dezembro a março a Ilha é apenas habitada pelos faroleiros e vigilantes da natureza, e na
época balnear o acesso à ilha é controlado e condicionado, em número de pessoas
e tempo de permanência. Não tive a experiência de pernoitar na ilha (no parque
de campismo ou na pousada) mas, por aquilo que vi, acho que deve ser uma
experiência única de insularidade.
Como tudo em Portugal, o arquipélago das
Berlengas (constituído por três ilhas, Berlenga
Grande, Estelas e Farilhões) é feita de história, e das antigas. A ilha
da Berlenga Grande, apesar do nome, é pequena e faz-se a pé por um trilho de
observação já traçado que circunda boa parte da ilha. “Keep on the marked
trail”, diz a tabuleta. Do cimo podemos
admirar o Farol Duque de Bragança (1841) e descendo os muitos degraus entramos
no Forte de São João Baptista (1655). De acessos rudes, o Forte é sólido,
espartano e olha-nos de esguelha. Percebe-se que assim seja, não tivesse sido
ele construído para defender o território dos constantes assaltos de
piratas e corsários marroquinos, argelinos, turcos, ingleses, franceses ou
espanhóis. Hoje, restaurado e aberto ao turismo, acolhe a Associação dos Amigos
das Berlengas. E com isso, o seu ar de durão rende-se à gargalhada barullhenta
dos/as jovens que correm pelas suas muralhas, espreitam pelas suas janelas e
atiram-se à água das escadarias de acesso. Tão corajosos/as quanto ele, pensa!
Do Forte saem pequenas
embarcações (barco, outra vez!!) com fundo de vidro, que nos permitem
perceber a policromia da fauna marítima. Um passeio obrigatório. Contornando o
rendilhado das falésias, levam-nos a passear por grutas que apelam à nossa
imaginação, enquanto ouvimos um pouco das histórias da ilha. A transparência
das águas é indescritível e o silêncio que se faz sentir é interrompido pelo
barulho ensurdecedor das gaivotas e das várias espécies de aves marinhas e não
marinhas que povoam as ilhas. Afinal somos suas convidadas.
No fim, a pequena praia do Carreiro do
Mosteiro. Com cerca de 40 metros de comprimento, o seu areal faz esforço para
acolher todas as pessoas. Foi lá que terminámos o nosso passeio e esperamos
pelo barco para retornar ao porto de Peniche. Mas admito que a cor cristalina
daquelas águas, de diferentes tons de azul, tinha-me arrebatado já no momento
de chegada. Pensei... como é possível uma beleza assim!! Bem, isso foi até por
o pé na água! J Mas
não desistimos... entramos e mergulhamos... e sentimo-nos parte daquela
natureza. É nestes momentos e lugares que
percebes que "quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno".
O sol começa a esconder-se cedo por detrás
dos rochedos, pouco depois das 17h00 a praia fica à sombra... está na hora de
regressar. O regresso fez-se tranquilo, a favor da ondulação, e o sol, já
bem baixinho, despediu-se de nós. E assim, ao virar da esquina, temos um
paraíso chamado Berlengas!
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